Em época de Páscoa, nada melhor que uma PAIXÃO, das boas!
"A educação é um caminho e um percurso. Um caminho que de fora se nos impõe e o percurso que nele fazemos. Deviam ser, por isso, indivisíveis e indissociáveis. (...) Os caminhos existem para ser percorridos. E para ser reconhecidos interiormente por quem os percorre" (ALVES, Rubem. A Escola Que Sempre Sonhei Sem Imaginar Que Pudesse Existir. 7.ed. Campinas, SP: Papirus, 2001. p.10)
Há muitos e muitos anos, detesto tudo o que venha pronto, mastigadinho, sem desafio algum. E há muitos e muitos anos, evito o que não me apaixona de fato. Não sei dar aulas de outro jeito que não me desafie PRIMEIRO e não me APAIXONE primeiro. Isso mesmo, entendeste bem: EU, ANTES! Se EU não estiver encantada, não saberei encantar. É meu defeito ou minha virtude particular; o fato é que funciona.
Este ano tive muita dificuldade pra encontrar algo que me apaixonasse e, assim, contagiasse meus alunos de 4º ano. Adoro as histórias de Percy Jackson. Pensei em usá-las, a princípio, durante todo o ano letivo, como fio condutor dos conteúdos da minha turma. Mas, logo, logo, descobri que ainda não era por aí... Então pensei em só usar a Mitologia, assunto pelo qual eu tenho loucura, mas concluí que não cairia legal, no momento.
Fui na carona das colegas até agora, completamente frustrada, fazendo o que não acredito. Automaticamente. Oferecendo folhas xerocadas, com textos e exercícios exatamente iguais aos aplicados nas outras turmas do mesmo ano, prática comum em todas as escolas em que trabalhei até hoje. Quatro turmas fazendo a mesmíssima coisa, ao mesmo tempo. Coisa "bonita" de se ver. E que me estava adoecendo.
Até agora, calei minha mais querida crença: a da paixão. Fiz e agi exatamente como abomino. Fui "massa", levada pela correnteza. Total e tolamente desprovida de pensamentos, criatividade e iniciativa própria. Fui só mais uma, repetindo o que todo o mundo sempre fez e continua fazendo, a despeito dos PPPs (Projeto Político Pedagógico), lindamente escritos - ah... se se praticasse, de fato, o que vai escrito neles... a educação estaria perfeita.
Mas...
As crianças tem mais a nos ensinar, que nós a elas, acredite. Eis que a salvação veio, finalmente, pelas mãos de minha filha (minha paixão maior). Leitora voraz, trouxe para casa, da biblioteca da escola, um dos livros da Série Salve-se Quem Puder, da Editora Scipione (1998). Sempre comentamos sobre as leituras dela, e dessa vez não foi diferente. Pois aí estava o que eu precisava para meu trabalho de 2011!
Fiquei boba com o livro, cuja leitura só pode ir adiante se e quando o leitor resolver determinados desafios. Era o que eu precisava! Comecei a ficar ansiosa pra colocar em prática o que fervia em minha mente, enquanto ela me mostrava o "livro-salvação-da-lavoura"...
Não pense que a coisa será fácil, pois não terá nenhuma facilidade pra mamãe aqui. A ideia não é simplesmente fazer as crianças lerem os livros (se não me engano, a Série tem 15 livros) e resolverem os desafios. Simples demais para o gosto de Simone Aver. Minha cabeça está a mil, criando meus próprios desafios, dentro da realidade da minha escola e dos conteúdos do ano.
No dia seguinte, cheguei na escola e disse às crianças que, até dezembro, teríamos um grande mistério para resolver. Expliquei ter recebido um bilhete, vindo não-sei-de-onde-muito-menos-de-quem, escrito de um jeito muito esquisito, e que exigia que descobríssemos, juntos, onde, como, quando, quem e quais os motivos da existência dele. O autor (ou autora) do bilhete só se apresentará à turma no final do ano.
Há que se destacar aqui que a maioria da turma apresenta grandes dificuldades, principalmente na Língua Portuguesa: as clássicas trocas de letras, o uso do S, do Z, C, X, RR e da letra maiúscula, parágrafo, acentuação, pontuação e leitura; em maior ou menor grau, uma ou todas essas dificuldades juntas, acrescidas de outras tantas.
Pois o tal bilhete é a porta de entrada de todo o trabalho do resto de 2011. Os mapas que aparecem nos livros, serão adaptados, mostrando nossa cidade. A Roma Antiga será mudada para a Itália dos nossos descendentes, trazendo nas malas os números romanos e sua história e uso, junto com a imigração.
Para todo o conteúdo haverá pistas, bilhetes misteriosos, cartas enigmáticas, surpresas, pergaminhos, caça-palavras, sacos de couro, moedas antigas, caminhos marcados com sementes, textos minúsculos que precisarão de lupa para serem lidos.
A fim de resolver os desafios, a turma terá que pesquisar em livros, internet, fazer entrevistas com as famílias, com o guarda da escola, com a bibliotecária, com a diretora, as outras professoras, as merendeiras, enfim... chega de ficar sentadinhos esperando as informações caírem do céu, pra nem serem levadas a sério, muito menos aprendidas, quiçá apreendidas.
Finalmente (antes tarde, que nunca) estou apaixonada, de novo.
Agora é erguer as mangas, e botar "pra quebrar".
Nos próximos posts, contarei o desfecho, devidamente documentado com imagens.
Os dois primeiros bilhetes foram um sucesso, e as crianças estão "acesas", sedentas de respostas.
"É preciso, sobretudo, e aí já vai um destes saberes indispensáveis, que o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se como sujeito também da produção do saber, se convença definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção" (FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 16.ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. p.24-25).